quinta-feira, 17 de julho de 2014

INOCÊNCIA SILENCIOSA

Sentada, quieta… inóspita quietude. Aparente solidão, em condicionada liberdade… assim!

Naquele banco de jardim marrom, Júlia e Álvaro viam todas as tardes a menina de olhos azuis brilhantes e sorriso consternado, numa inquietude salva e imperceptível. Sorriam-lhe de volta, para ela e para os livros e papéis depositados ao seu lado, as suas únicas companhias durante aquelas horas em que o tempo e o espaço voavam, sem convite, sobre instrumentos de diversão de que a Mãe os deixava usufruir.

Era estranha aquela menina. Era certamente da mesma idade que os dois petizes. Tão enigmático era o seu encontro com aquele espaço – sentada, já se encontrava, quando a Júlia e o Álvaro chegavam; sentada ficava quando regressavam a casa.

Dos baloiços, do escorrega, do vaivém observavam-na, o tempo perdulário, em que o faz de conta se desfazia na ansia de desenredar aquele fascínio perene e sem resposta. Os livros eram folheados numa atenção perscrutada e atenta… nas folhas de papel nasciam, sob o signo dos lápis e das canetas, formas e cores que a distância não permitia deslindar… mas teimavam fervorosamente…

Num certo dia, o Álvaro, de olhos depositados – já seu hábito – nas parcas acções da menina, viu cair, desalentado um lápis vermelho. Sem resguardo, rolou, primeiro devagar, aumentando a velocidade da sua fuga em direcção à ponta do banco de jardim, e já sem chão elevado, caiu desamparado no terreno…

- Álvaro, caiu-lhe o lápis vermelho…
- Eu vi!
- Vamos apanhá-lo, para lho darmos…

Era intrometido aquele avanço implícito, mas a oportunidade divina… se segredos há por desvendar nos desejos e vontades de uma criança, serão eles a simplicidade da curiosa aprendizagem, em constante antecipação…

- Caiu-te isto…

Ela ergueu a cabecita, revelando uns olhos luzentes, tentados pelo agradecimento. Tomou o lápis das mãos do Álvaro… o seu sabido e consternado sorriso a deambular na pequena boca.

- Obrigada!

A Júlia, intentou a sua intervenção, já incapaz de manter a sua curiosidade em segredo.

- O que estás a fazer?
- A ler, a fazer desenhos do que leio… querem ver?

Estendeu as mãos para um álbum, em cada página um desenhar de cores e figuras magistrais. Tinha jeito aquela menina misteriosa, que agora se desvendava em histórias de desenhos guardados e recordados como precioso tesouro. O tempo avançou, perdido, vigoroso nas descobertas mágicas de cada traço e de cada frase… e o sorriso da pequena contadora de histórias encheu-se de luz… e a curiosidade do Álvaro e da Júlia deu lugar a uma admiração embutida de um prazer arroubado.

- Vamos, Eliana!

Eliana! Não sabiam o seu nome. Era Eliana… as três crianças ergueram as cabecitas… o sorriso da ama da Eliana veio em saudação glamorosa.

- Vamos sim, Mariana! Mas primeiro quero que conheças os meus Amigos: a Júlia e o Álvaro. Têm estado a ouvir as minhas histórias, a saber dos meus desenhos…
- Então passaram certamente uns bons momentos…

- Vens amanhã, Eliana?
- Venho todos os dias, bem o sabem, e desde que possa…

A pequena Eliana, frágil, delicada e luminosa tradução de infância subiu nos braços da Mariana, que seguidamente a depositou meigamente numa cadeira de rodas…

- Não posso correr convosco, nem andar nos baloiços, no escorrega… mas posso ver-vos. E posso contar-vos as minhas histórias mostrar-vos os meus desenhos… podemos ser sempre Amigos! Tomem! Este desenho é para vocês… desenhei-vos quando andavam nos baloiços…


E os sorrisos cresceram, agora conhecedores da reciprocidade curiosa e de uma desvendada admiração mútua, ampliando o brilho da felicidade, num encontro de um Amor que só as mais puras almas concebem… as almas da inocência… as almas do fervor da descoberta… as almas de três crianças…