Cedo, ainda o sol mal erguido, o
Pedro partia para os campos, para os seus pequenos pedaços de vida, onde a sua
felicidade era inteira e simples.
Cinco da manhã e já ele e a
Silvina – a mulher – se erguiam; todas as manhãs, sem falta. Porque era naquele
amanhecer que se respirava o dia. Era naquela hora que a vida se entranhava, os
cheiros se multiplicavam e as sensações os dividiam por todos os prazeres.
Hoje era diferente. A Milinha, a
mais nova dos três filhos, ia com ele. O Tiago e o Diogo já o acompanhavam, o
primeiro há quatro verões, o segundo há três. Mas a Milinha fazia naquele dia
cinco anos. E estava na altura de ela conhecer o valor da terra.
Enquanto desfazia a barba de três
dias – hoje era dia de festa e queria o rosto liso para poder beijar a menina
dos seus olhos – pensava no seu legado, naquela paixão pela terra. Gostava que
os filhos compreendessem... Não que quisesse que eles ficassem pelo quarto ano de
escolaridade, e se deixassem ficar ali, longe de outros conhecimentos, mas a terra… Aquele cheiro, a vida, a vida a crescer,
senti-la no amanhecer, no entardecer, no meio da chuva, abraçada pelo Sol de
verão… Aquilo não podia ser contado, explicado... Tinham que ser sentido.
O Tiago e o Diogo já sabiam muita
coisa. As melhores épocas para esta ou aquela sementeira, como abrir os regos,
a quantidade de água para regar em cada época, e o Tiago até já sabia pôr o
tractor a trabalhar. E se o petiz gostava daquilo! - sorriu. Mas agora era a vez da
Milinha! A princesa, que dançava o dia todo, ou então fazia os chazinhos com
bolachinhas, feitas por ela e com a ajuda da Silvana, para as suas bonecas.
Desceu as escadas a entalar a
camisa nas calças de ganga desgastadas. Já conseguia ouvir as vozes da criançada, o Tiago e o Diogo
a darem os parabéns à irmã, a Silvana a pedir aos filhos que se sentassem para
o pequeno-almoço, e o Tiago novamente…
- Ena, Milinha! Hoje vais com a
gente para os campos! Vais aprender as coisas do Pai.
E tornava a Milinha...
- Eu já sei! Mas queria levar as
minhas bonecas para aprenderem também…
E logo o Diogo...
- Não sejas tola! Fazes cinco
anos e já tens que saber que as bonecas não são de verdade!
- As minhas são!
A Silvana interveio, sabendo que
não iria correr bem aquela teimosia…
- Vá! Acalmem-se lá, que o Pai
deve estar a descer. Não quero zangas hoje!
Ouviu, do fundo das escadas que os filhos sossegavam: "Arranjei uma boa mãe para os meus filhos".
Sorriu.
******
Seguiam-no, os dois mais velhos
participando nas tarefas, mais que não fosse para a Milinha ver o quanto já
percebiam da lavoura. A Milinha, segura pela mão do Pai, teimara em levar
a Belinha - a boneca de pano que a acompanhava desde o berço – com as óbvias
objecções dos irmãos. Parecia engolir cada palavra do Pai, cada gesto dos
irmãos, cada raio de Sol que despontava sobre a terra.
- Olha aqui, Milinha! Estás a ver
esta ervinha?
A criança anuiu com a cabecita,
curiosa. Baixou-se, pedindo aos três filhos que se juntassem, ali mais perto
dele.
- Cuidado para não pisarem! Sabem
o que é isto? Batata! É verdade! Aqui debaixo desta terra está a crescer uma
batata. E vão crescer muitas aqui à volta. É o milagre da vida. A vida que nos
serve de alimento e nos deixa viver! Há que gostar da terra. Ela dá-nos quase,
quase tudo! É preciso amá-la, ter com ela muita paciência, saber esperar,
dar-lhe de beber, deixá-las alimentar-se dos raios do Sol. E ela retribui.
- O que é retribui, Pai?
- É dar, Milinha...