Sentada,
quieta… inóspita quietude. Aparente solidão, em condicionada liberdade… assim!
Naquele banco de jardim marrom, Júlia e Álvaro viam todas as tardes a menina de olhos azuis brilhantes e sorriso consternado, numa inquietude salva e imperceptível. Sorriam-lhe de volta, para ela e para os livros e papéis depositados ao seu lado, as suas únicas companhias durante aquelas horas em que o tempo e o espaço voavam, sem convite, sobre instrumentos de diversão de que a Mãe os deixava usufruir.
Era
estranha aquela menina. Era certamente da mesma idade que os dois petizes. Tão
enigmático era o seu encontro com aquele espaço – sentada, já se encontrava,
quando a Júlia e o Álvaro chegavam; sentada ficava quando regressavam a casa.
Dos
baloiços, do escorrega, do vaivém observavam-na, o tempo perdulário, em que o
faz de conta se desfazia na ansia de desenredar aquele fascínio perene e sem
resposta. Os livros eram folheados numa atenção perscrutada e atenta… nas
folhas de papel nasciam, sob o signo dos lápis e das canetas, formas e cores
que a distância não permitia deslindar… mas teimavam fervorosamente…
Num
certo dia, o Álvaro, de olhos depositados – já seu hábito – nas parcas acções
da menina, viu cair, desalentado um lápis vermelho. Sem resguardo, rolou,
primeiro devagar, aumentando a velocidade da sua fuga em direcção à ponta do
banco de jardim, e já sem chão elevado, caiu desamparado no terreno…
-
Álvaro, caiu-lhe o lápis vermelho…
-
Eu vi!
-
Vamos apanhá-lo, para lho darmos…
Era
intrometido aquele avanço implícito, mas a oportunidade divina… se segredos há
por desvendar nos desejos e vontades de uma criança, serão eles a simplicidade da
curiosa aprendizagem, em constante antecipação…
-
Caiu-te isto…
Ela
ergueu a cabecita, revelando uns olhos luzentes, tentados pelo agradecimento.
Tomou o lápis das mãos do Álvaro… o seu sabido e consternado sorriso a deambular
na pequena boca.
-
Obrigada!
A
Júlia, intentou a sua intervenção, já incapaz de manter a sua curiosidade em
segredo.
-
O que estás a fazer?
-
A ler, a fazer desenhos do que leio… querem ver?
Estendeu
as mãos para um álbum, em cada página um desenhar de cores e figuras
magistrais. Tinha jeito aquela menina misteriosa, que agora se desvendava em
histórias de desenhos guardados e recordados como precioso tesouro. O tempo
avançou, perdido, vigoroso nas descobertas mágicas de cada traço e de cada
frase… e o sorriso da pequena contadora de histórias encheu-se de luz… e a
curiosidade do Álvaro e da Júlia deu lugar a uma admiração embutida de um
prazer arroubado.
-
Vamos, Eliana!
Eliana!
Não sabiam o seu nome. Era Eliana… as três crianças ergueram as cabecitas… o
sorriso da ama da Eliana veio em saudação glamorosa.
-
Vamos sim, Mariana! Mas primeiro quero que conheças os meus Amigos: a Júlia e o
Álvaro. Têm estado a ouvir as minhas histórias, a saber dos meus desenhos…
-
Então passaram certamente uns bons momentos…
-
Vens amanhã, Eliana?
-
Venho todos os dias, bem o sabem, e desde que possa…
A
pequena Eliana, frágil, delicada e luminosa tradução de infância subiu nos
braços da Mariana, que seguidamente a depositou meigamente numa cadeira de rodas…
-
Não posso correr convosco, nem andar nos baloiços, no escorrega… mas posso
ver-vos. E posso contar-vos as minhas histórias mostrar-vos os meus desenhos…
podemos ser sempre Amigos! Tomem! Este desenho é para vocês… desenhei-vos
quando andavam nos baloiços…
E
os sorrisos cresceram, agora conhecedores da reciprocidade curiosa e de uma desvendada admiração mútua, ampliando o brilho da felicidade, num encontro de um
Amor que só as mais puras almas concebem… as almas da inocência… as almas do
fervor da descoberta… as almas de três crianças…