quinta-feira, 18 de julho de 2013

TEMPO

O vento cortante fustigava-lhe o olhar. Permanecia imóvel, o corpo abandonado sobre a cadeira de baloiço disposta sobre o alpendre. As pernas entorpecidas, já não se deixavam salvar pela manta de patchwork, por onde, lentamente, num apego a memórias cruciantes, as mãos vazias deslizavam, no ímpeto do reencontro com a sua autora.

A neve acumulava, silenciosa, imolando a persistência dos escassos e delicados raios solares, que timidamente se esforçavam por rasgar o algodão espalhado pelas alturas. Ergueu a cabeça, sentindo o frio inalar, cortando-lhe a respiração e secando-lhe a garganta. Estancou, na mesma posição, durante largos segundos, apenas atento aos difusos sons que vinham até si pelas janelas fechadas da casa.

A filha e a nora preparavam a refeição da noite. Sentia o cheiro difuso do assado já colocado no forno, misturado com o odor de legumes. Sentia no leve arrepio que o percorria os sons dos netos, em amena brincadeira. A vida continuava…

A porta abriu, denunciando a presença de alguém, vinda ao exterior.

- Pai, está tanto frio! Posso ajudá-lo a ir para dentro?

A cabeça leve com o cansaço, desceu, empreendendo no intento de olhar a filha. Sorriu, a boca rasgada num anuir, sem contraposição. Ergueu-se, entorpecido. A filha avançou, intentando em prestar-lhe auxílio.

- Já o devia ter vindo buscar há mais tempo, Pai. Deus queira que não lhe tenhamos arranjado uma gripe…

A mão enrugada, perdida na solidão dos dias avançou na direcção do rosto da sua descendência. A filha acolheu o gesto, pousando a mão de aparência pura sobre o do pai.


- Deus não tem nada a ver, filha! A hora é agora! Vamos! Está fresco…


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