O vento cortante fustigava-lhe o
olhar. Permanecia imóvel, o corpo abandonado sobre a cadeira de baloiço
disposta sobre o alpendre. As pernas entorpecidas, já não se deixavam salvar
pela manta de patchwork, por onde, lentamente, num apego a memórias cruciantes,
as mãos vazias deslizavam, no ímpeto do reencontro com a sua autora.
A neve acumulava, silenciosa, imolando
a persistência dos escassos e delicados raios solares, que timidamente se
esforçavam por rasgar o algodão espalhado pelas alturas. Ergueu a cabeça,
sentindo o frio inalar, cortando-lhe a respiração e secando-lhe a garganta.
Estancou, na mesma posição, durante largos segundos, apenas atento aos difusos sons
que vinham até si pelas janelas fechadas da casa.
A filha e a nora preparavam a
refeição da noite. Sentia o cheiro difuso do assado já colocado no forno,
misturado com o odor de legumes. Sentia no leve arrepio que o percorria
os sons dos netos, em amena brincadeira. A vida continuava…
A porta abriu, denunciando a
presença de alguém, vinda ao exterior.
- Pai, está tanto frio! Posso
ajudá-lo a ir para dentro?
A cabeça leve com o cansaço,
desceu, empreendendo no intento de olhar a filha. Sorriu, a boca rasgada num
anuir, sem contraposição. Ergueu-se, entorpecido. A filha avançou, intentando em
prestar-lhe auxílio.
- Já o devia ter vindo buscar há mais tempo, Pai. Deus queira que não lhe tenhamos arranjado uma gripe…
A mão enrugada, perdida na
solidão dos dias avançou na direcção do rosto da sua descendência. A filha
acolheu o gesto, pousando a mão de aparência pura sobre o do pai.
- Deus não tem nada a ver, filha!
A hora é agora! Vamos! Está fresco…
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