segunda-feira, 1 de julho de 2013

OS OLHOS DE LARA

“Hoje vou buscar forças ao fundo do inferno para recomeçar… A rua… Sozinha…”

Encaminhou-se para a porta da rua, parecendo desbravar uma floresta cerrada, num passo lento, puxado pelo consciente e atrasado pelo subconsciente indeciso. O ferrolho da fechadura deslizou num estrondo exacerbado, infligido pelo medo… Fechou a porta atrás de si, incerta.

O Sol intenso feriu-lhe o olhar desabituado. Na ausência da segurança sobre a sua opção, o chão parecia fugir, e desconcertada não vislumbrava o fim do percurso até à paragem de autocarro.

“Fiz mal! Não estou preparada!”

Estacou, tentando recuperar o fôlego, e reencontrar-se com a coragem que enveredara há momentos por outro caminho.

Um carro travou ruidosamente na estrada ao seu lado. Lara recuou, petrificada. Os sons multiplicavam-se, impondo-se à razão, provocando uma dor dilacerante nos membros paralisados. E a visão passada de corpos ensanguentados, falecidos, fragilmente encarcerados no interior do veículo perdido.

“Não! Não é nada disso. Já passou... Controla-te!”

- Sente-se bem!

Retomou o juízo momentaneamente perdido, sentindo o sangue afluir ao rosto.

- Nem por isso! Pode ajudar-me a chegar à paragem?

Gentilmente, o cavalheiro tomou-lhe o braço, auxiliando o seu caminhar indolente. Ajudou Lara a sentar-se no banco da paragem.

- Sente-se melhor?

- Um pouco, sim. Agradeço!

- Precisa que chame alguém?

- É muita amabilidade sua. Deixe estar. Já me recomponho.

******

No autocarro apinhado, perdeu a noção do mundo exterior. O confronto com aquela realidade tornou-se dulcificante. O corpo de Lara era arremessado de encontro aos restantes, numa luta pelo equilíbrio, mantendo os seus sentido em alerta, incapazes de se desviarem para a sua insanidade.

Chegou à paragem, pedindo licença, desprendendo-se do confronto físico que se reencontrava com o anímico. Lá fora… Demoraria a Cláudia?

O ar fresco nascido no fim de tarde permitiu que entrasse no recobro dos últimos cinquenta minutos. Lá estava a pastelaria, a escassos dez metros. Já teria chegado a Cláudia? Sentou-se na esplanada, depois do seu olhar percorrer os ocupantes das mesas. Nem sinal. O empregado aproximou-se, disparando um sorriso refrescante e quase cúmplice.

- Deseja alguma coisa?

- Um refresco de café, por favor. Com muito gelo e limão! – Devolveu o sorriso, o mais segura possível.

Os sons voltaram a enaltecer-se. Tentou distrair-se, detendo-se nas palavras escutadas.

- É pá! Tem mas é juízo! Bela porcaria de filme, meu!

De que filme falariam?

- Pedro, anda cá! A mamã zanga-se. Carlos, vai lá buscar o menino!

Pais e filhos, felizes. A vida, as crianças, o amor…

- Anda à roda amanhã! Olha a sorte grande!

- Dê-me uma cautela acabada em sete, por favor!

E a transacção deu-se, apoiada pelos comentários do companheiro da elegante senhora, de chapéu de abas.

- Lara, querida! Desculpa o atraso! Estás bem?

Conseguiu finalmente desembarcar em porto seguro. Abrigou-se no som das palavras da Cláudia. Cerrou os olhos por instantes.


- Estou! Agora estou! Senta-te! Estou mesmo a precisar de ti! 



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