“Hoje vou buscar forças ao fundo
do inferno para recomeçar… A rua… Sozinha…”
Encaminhou-se para a porta da
rua, parecendo desbravar uma floresta cerrada, num passo lento, puxado pelo consciente
e atrasado pelo subconsciente indeciso. O ferrolho da fechadura deslizou num
estrondo exacerbado, infligido pelo medo… Fechou a porta atrás de si, incerta.
O Sol intenso feriu-lhe o olhar
desabituado. Na ausência da segurança sobre a sua opção, o chão parecia fugir,
e desconcertada não vislumbrava o fim do percurso até à paragem de autocarro.
“Fiz mal! Não estou preparada!”
Estacou, tentando recuperar o
fôlego, e reencontrar-se com a coragem que enveredara há momentos por outro
caminho.
Um carro travou ruidosamente na
estrada ao seu lado. Lara recuou, petrificada. Os sons multiplicavam-se,
impondo-se à razão, provocando uma dor dilacerante nos membros paralisados. E a
visão passada de corpos ensanguentados, falecidos, fragilmente encarcerados no
interior do veículo perdido.
“Não! Não é nada disso. Já
passou... Controla-te!”
- Sente-se bem!
Retomou o juízo momentaneamente
perdido, sentindo o sangue afluir ao rosto.
- Nem por isso! Pode ajudar-me a
chegar à paragem?
Gentilmente, o cavalheiro
tomou-lhe o braço, auxiliando o seu caminhar indolente. Ajudou Lara a sentar-se
no banco da paragem.
- Sente-se melhor?
- Um pouco, sim. Agradeço!
- Precisa que chame alguém?
- É muita amabilidade sua. Deixe
estar. Já me recomponho.
******
No autocarro apinhado, perdeu a
noção do mundo exterior. O confronto com aquela realidade tornou-se
dulcificante. O corpo de Lara era arremessado de encontro aos restantes, numa luta
pelo equilíbrio, mantendo os seus sentido em alerta, incapazes de se
desviarem para a sua insanidade.
Chegou à paragem, pedindo
licença, desprendendo-se do confronto físico que se reencontrava com o anímico.
Lá fora… Demoraria a Cláudia?
O ar fresco nascido no fim de
tarde permitiu que entrasse no recobro dos últimos cinquenta minutos. Lá estava a
pastelaria, a escassos dez metros. Já teria chegado a Cláudia? Sentou-se na
esplanada, depois do seu olhar percorrer os ocupantes das mesas. Nem
sinal. O empregado aproximou-se, disparando um sorriso refrescante e quase cúmplice.
- Deseja alguma coisa?
- Um refresco de café, por favor.
Com muito gelo e limão! – Devolveu o sorriso, o mais segura possível.
Os sons voltaram a enaltecer-se.
Tentou distrair-se, detendo-se nas palavras escutadas.
- É pá! Tem mas é juízo! Bela
porcaria de filme, meu!
De que filme falariam?
- Pedro, anda cá! A mamã
zanga-se. Carlos, vai lá buscar o menino!
Pais e filhos, felizes. A vida,
as crianças, o amor…
- Anda à roda amanhã! Olha a
sorte grande!
- Dê-me uma cautela acabada em
sete, por favor!
E a transacção deu-se, apoiada
pelos comentários do companheiro da elegante senhora, de chapéu de abas.
- Lara, querida! Desculpa o
atraso! Estás bem?
Conseguiu finalmente desembarcar em porto seguro. Abrigou-se no som das palavras da Cláudia. Cerrou os olhos por instantes.
- Estou! Agora estou! Senta-te! Estou mesmo a
precisar de ti!
Sem comentários:
Enviar um comentário