Longe, muito longe, resistia um pinhal chamado Avivah. Era um pinhal
com uma longa vida, onde a verdura e a frescura coabitavam, e onde a primavera
parecia querer persistir o ano inteiro. Todos os pinheiros tinham histórias
para contar. A mais importante, a da clandestinidade daquelas árvores, onde pé
humano jamais estivera. E por isso resistiam às escassas intempéries, às
estradas construídas no longínquo horizonte da orla, aos fogos de verão - de
que outras florestas eram vítimas - e ao Natal.
Sementes, vindas de longe na boleia do vento, já lhes tinham contado
histórias… Mas nenhum daqueles pinheiros queria saber das histórias terríficas.
Ali reinava a paz, reinava a harmonia, reinava a partilha. A maior riqueza era
aquela que todos eles conheciam, que dava voz à paz vivida e sentida na união e
bem-estar.
Os pássaros voavam de todas as partes para poisar no topo dos
pinheiros, que de tanta felicidade se mantinham fortes e protectores. Sem
jamais terem sabido o que era a poluição, naquela floresta todos respiravam a pureza
trazida dos ramos intactos. E também os pássaros tinham histórias para contar. Histórias
que eram segredo, e que noutros lugares poderiam causar amargura.
No centro do pinhal vivia o Velho Pinheiro Sábio. Diego, com quase mil
anos de existência, sabia de histórias como ninguém. Tinham-lhe sido trazidas
pelo vento, pelas sementes, pelos pássaros, pelos lobos, pelas raposas, pelas
lebres, pelos coelhos. Melhor que qualquer outro, o Diego conhecia as histórias
do mundo, as histórias de evolução dos humanos, as histórias sem alma nem
coração.
Era o Diego que casava os jovens casais de pinheiros uma vez
atingida a idade de casar – que para os pinheiros é a partir dos cinquenta anos
de vida; era o Diego que ensinava os pinheirinhos a história de Avivah, e sobre
como o Amor e a compreensão entre todos lhes permitiam aquela lugar de paz na
terra; era o Diego que distribuía conselhos, quando os mais novos se mostravam
incertos. E também os animais e os seus representantes máximos – chefes dos
lobos, das raposas, dos pássaros, das lebres, dos peixes do riacho – procuravam
a sabedoria do Diego. Em tantos anos de vida, Diego compreendia o coração, compreendia
os diferentes seres vivos, sabia como mantê-los unidos.
Os únicos seres vivos que não compreendia eram os humanos. As histórias
que lhe contavam, e as imagens que retirava desses contos reais deixavam-no
triste, incapaz de perceber, impossibilitado de digerir sentimentos como o
ódio, o orgulho, a ganância, a ira. Também não compreendia o valor do dinheiro,
nem dos metais, nem das pedras. Não era possível compreender como os tais
conceitos se podiam sobrepor ao valor da vida. Como era possível para os
humanos agirem tão contrariamente à sua vontade primordial...
E por isso tudo, Diego temia… temia que um dia toda a sua sabedoria e
todos os seus conselhos não fossem suficientes para salvar Avivah e os seus
habitantes do mundo à volta.
Numa dessas manhãs de conselhos, o Conrad, líder da matilha dos lobos,
aproximou-se, esbaforido, trazendo notícias…
- Conrad, meu bom Amigo! O que te traz tão aflito?
- Diego, chegaram os humanos! – Tentou recuperar o fôlego. - Estão na
orla de Avivah. Trazem monstros barulhentos, que cospem fumos. Trazem outros
que cortam as árvores. Estão a cortar os Amigos Pinheiros! Estão a incendiar tudo!
Os animais estão a fugir; mas e vocês Diego? O que fazemos?
Avivah ficou repentinamente agitada, como nunca antes. Diego ergueu os
seus ramos, pronto a acalmar os corações de todos. Todos necessitavam de ouvir
os seus saberes.
- Há uma hora para tudo, Queridos Amigos! De todas as histórias que
tenho ouvido sobre os humanos, tirei uma única e sólida conclusão: há muito que
o homem perdeu a capacidade de sentir com o coração… Onde há esse conceito que é dinheiro, não há o humanismo que buscam, sem saber.
O homem só vê com os olhos! Não sabe usar os sentidos! Não sabe ouvir
o seu próprio coração, quanto menos os dos seus iguais, sejam eles de que
espécie for. O que vê é o que quer, o que deseja, o que ambiciona. Intitulam-se
de visionários.
Não é a beleza de uma floresta verde que seduz o humano; não é o
cheiro da terra húmida que lhe acalma a alma; não é a chuva a correr-lhe pelo
rosto que o faz sentir vivo; não é o sabor dos frutos que colhe que o presenteia com o desejo de continuar a colher frutos; não é o som dos pássaros que cantam,
como todos estes meus Amigos, sobre os meus ramos, que o deliciam.
Os humanos vivem da velocidade, vivem das matérias sem vida, vivem do
ontem, vivem da cobiça, e da inveja. Os humanos destróiem porque não sabem ver
além de si... Não têm uma natureza igual à nossa.
Há muitos e muitos anos que eu temia este dia. Há muitos e muitos anos
que eu temia a chegada dos humanos, Conrad. Um dia havíamos de deixar de ser a última
floresta virgem.
Mas lembra-te do que te vou dizer. Temos o vento, temos o sol, temos a
chuva; as nossas sementes serão transportadas, levadas para outras paragens. E
o vento, o sol e a chuva saberão cuidar delas. Cresceremos de novo, apenas
noutro lugar… Até um dia podermos voltar, nas asas do vento, no bico de um
pássaro, nas asas de um pássaro… Porque a alma e o pensamento não morrem! Jamais!
Todos vós, animais, tendes pernas, tendes asas... Está na hora da vossa partida. Não
fiquem para ver. Não deixem que os vossos corações percebam o que é a ambição
descontrolada.
Construiremos novos lares, faremos parte de novas florestas, e seremos
bem vindos.
Lembra-te Conrad: olha sempre com o coração. Os teus
olhos enganam! O teu coração estará sempre certo. Quando tiveres dúvidas, por
favor, lembra-te de mim. E não tenhas medo. Os humanos é que sabem o que é o medo… é uma produção só deles!