sábado, 22 de junho de 2013

LEGADO

Cedo, ainda o sol mal erguido, o Pedro partia para os campos, para os seus pequenos pedaços de vida, onde a sua felicidade era inteira e simples.

Cinco da manhã e já ele e a Silvina – a mulher – se erguiam; todas as manhãs, sem falta. Porque era naquele amanhecer que se respirava o dia. Era naquela hora que a vida se entranhava, os cheiros se multiplicavam e as sensações os dividiam por todos os prazeres.

Hoje era diferente. A Milinha, a mais nova dos três filhos, ia com ele. O Tiago e o Diogo já o acompanhavam, o primeiro há quatro verões, o segundo há três. Mas a Milinha fazia naquele dia cinco anos. E estava na altura de ela conhecer o valor da terra.

Enquanto desfazia a barba de três dias – hoje era dia de festa e queria o rosto liso para poder beijar a menina dos seus olhos – pensava no seu legado, naquela paixão pela terra. Gostava que os filhos compreendessem... Não que quisesse que eles ficassem pelo quarto ano de escolaridade, e se deixassem ficar ali, longe de outros conhecimentos, mas a terra… Aquele cheiro, a vida, a vida a crescer, senti-la no amanhecer, no entardecer, no meio da chuva, abraçada pelo Sol de verão… Aquilo não podia ser contado, explicado... Tinham que ser sentido.

O Tiago e o Diogo já sabiam muita coisa. As melhores épocas para esta ou aquela sementeira, como abrir os regos, a quantidade de água para regar em cada época, e o Tiago até já sabia pôr o tractor a trabalhar. E se o petiz gostava daquilo! - sorriu. Mas agora era a vez da Milinha! A princesa, que dançava o dia todo, ou então fazia os chazinhos com bolachinhas, feitas por ela e com a ajuda da Silvana, para as suas bonecas.

Desceu as escadas a entalar a camisa nas calças de ganga desgastadas. Já conseguia ouvir as vozes da criançada, o Tiago e o Diogo a darem os parabéns à irmã, a Silvana a pedir aos filhos que se sentassem para o pequeno-almoço, e o Tiago novamente…

- Ena, Milinha! Hoje vais com a gente para os campos! Vais aprender as coisas do Pai.

E tornava a Milinha...

- Eu já sei! Mas queria levar as minhas bonecas para aprenderem também…

E logo o Diogo...

- Não sejas tola! Fazes cinco anos e já tens que saber que as bonecas não são de verdade!

- As minhas são!

A Silvana interveio, sabendo que não iria correr bem aquela teimosia…

- Vá! Acalmem-se lá, que o Pai deve estar a descer. Não quero zangas hoje!

Ouviu, do fundo das escadas que os filhos sossegavam: "Arranjei uma boa mãe para os meus filhos". Sorriu.

******

Seguiam-no, os dois mais velhos participando nas tarefas, mais que não fosse para a Milinha ver o quanto já percebiam da lavoura. A Milinha, segura pela mão do Pai, teimara em levar a Belinha - a boneca de pano que a acompanhava desde o berço – com as óbvias objecções dos irmãos. Parecia engolir cada palavra do Pai, cada gesto dos irmãos, cada raio de Sol que despontava sobre a terra.

- Olha aqui, Milinha! Estás a ver esta ervinha?

A criança anuiu com a cabecita, curiosa. Baixou-se, pedindo aos três filhos que se juntassem, ali mais perto dele.

- Cuidado para não pisarem! Sabem o que é isto? Batata! É verdade! Aqui debaixo desta terra está a crescer uma batata. E vão crescer muitas aqui à volta. É o milagre da vida. A vida que nos serve de alimento e nos deixa viver! Há que gostar da terra. Ela dá-nos quase, quase tudo! É preciso amá-la, ter com ela muita paciência, saber esperar, dar-lhe de beber, deixá-las alimentar-se dos raios do Sol. E ela retribui.

- O que é retribui, Pai?

- É dar, Milinha...





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